Para milhões de brasileiros, ele é a trilha sonora indesejada da noite: um ruído que varia de um ressonar suave a um barulho vibrante capaz de abalar as paredes do quarto e, mais perigosamente, as estruturas de um relacionamento. O ronco, frequentemente tratado como uma piada ou um mero incômodo, é na verdade um sintoma que exige atenção e pode ser o prenúncio de problemas de saúde graves, com impacto direto na qualidade de vida, na produtividade profissional e até mesmo na longevidade.
Ignorado por quem o produz e suportado com dificuldade por quem o ouve, o ronco afeta cerca de metade da população em algum momento da vida, com uma prevalência ainda maior entre homens e idosos. Mas quando esse som deixa de ser apenas um barulho e se torna um sinal de alerta? O que ele revela sobre a nossa saúde? E como a ciência tem avançado para devolver noites silenciosas e restauradoras para casais e famílias?
Para desvendar este tema, o portal Mercado Hoje UAI conversou com o Dr. Luiz Herculano da Silva Júnior, médico otorrinolaringologista com residência pelo Hospital das Clínicas da USP e especialista em Medicina do Sono. Vamos mergulhar na ciência por trás do ronco, diferenciar o barulho inofensivo da perigosa apneia do sono e apresentar um guia completo sobre causas, consequências e os mais modernos tratamentos disponíveis. Porque, como afirma o especialista em ronco, tratá-lo vai muito além de acabar com o barulho. “Além de resolver o ruído noturno, tratamos a qualidade de vida e a disposição”, destaca.
Para entender por que o ronco acontece, é preciso primeiro compreender o que ocorre com nosso corpo quando dormimos. Durante o sono, há um relaxamento natural da musculatura da faringe. Em algumas pessoas, esse relaxamento é tão intenso que as estruturas da garganta – como o palato mole (céu da boca) e a úvula (a “campainha”) – se estreitam, dificultando a passagem do ar. O ronco é, essencialmente, o som da vibração desses tecidos moles quando o ar tenta passar por um caminho mais apertado.
É crucial, no entanto, distinguir o ronco primário (ou ronco simples) de sua versão mais perigosa. A Academia Americana de Otorrinolaringologia – Cirurgia de Cabeça e Pescoço (AAO-HNS), uma das mais respeitadas referências médicas do mundo, define o ronco primário como aquele que consiste unicamente no ruído respiratório durante o sono, sem a presença de eventos mais graves como apneias obstrutivas, hipopneias, quedas na saturação de oxigênio do sangue, microdespertares que fragmentem o sono, arritmias cardíacas significativas ou sonolência diurna excessiva que possa ser atribuída ao próprio ronco.
É um barulho que, embora possa ser socialmente inconveniente e impactar a qualidade de vida do parceiro, não traz, por si só, consequências fisiológicas adversas conhecidas ou morbidades relacionadas ao sono para o indivíduo que ronca.
O problema é que o ronco raramente vem sozinho. Ele é, na maioria das vezes, o primeiro e mais audível sinal de um espectro de distúrbios respiratórios do sono, cujo estágio mais grave é a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS).
A compreensão dos fatores de risco para o ronco e para a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é fundamental para a avaliação e o manejo dos nossos pacientes. Diversos fatores podem contribuir para o estreitamento das vias aéreas durante o sono, levando ao ronco e, em casos mais graves, à apneia.
A Academia Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF) e a Academia Americana de Otorrinolaringologia – Cirurgia de Cabeça e Pescoço (AAO-HNS), referências incontestáveis na área, apontam para uma combinação de fatores anatômicos e de estilo de vida que aumentam a probabilidade de uma pessoa roncar e desenvolver distúrbios respiratórios do sono.
A seguir, apresento a tabela atualizada com os fatores de risco associados, alinhada com as informações das academias mencionadas:
| Categoria | Fatores de Risco Associados |
| Estilo de Vida e Comportamento | – Sobrepeso e Obesidade: O acúmulo de gordura na região do pescoço comprime as vias aéreas – Consumo de Álcool: O álcool é um potente relaxante muscular, intensificando o relaxamento da musculatura da garganta e da via aérea superior – Uso de Sedativos: Medicamentos para dormir (hipnóticos) ou para ansiedade (ansiolíticos) possuem efeito depressor central e relaxante muscular similar ao do álcool. – Tabagismo: A fumaça irrita e inflama a mucosa das vias aéreas, causando edema e estreitamento – Posição de Dormir: Dormir em decúbito dorsal (de barriga para cima) favorece a queda da base da língua e do palato mole para trás, obstruindo a passagem de ar. |
| Fatores Anatômicos e Fisiológicos | – Anatomia Crânio-Facial: Características como queixo pequeno ou retruído (retrognatia/micrognatia), pescoço curto e grosso, e mandíbula pequena podem predispor ao colapso das vias aéreas. – Obstrução Nasal: Condições como desvio de septo nasal, rinite alérgica crônica, hipertrofia de cornetos, sinusite e pólipos nasais dificultam a respiração nasal, forçando a respiração oral e a tornando mais ruidosa. – Estruturas da Garganta (Orofaringe/Hipofaringe): Amígdalas e adenoides aumentadas (causa comum em crianças), palato mole longo e/ou flácido, e úvula alongada podem vibrar ou obstruir o fluxo aéreo. – Idade: O tônus muscular, incluindo o da via aérea superior, diminui naturalmente com o envelhecimento, aumentando a flacidez. – Gênero: Homens têm uma predisposição anatômica e hormonal maior ao estreitamento das vias aéreas e ao acúmulo de gordura perifaríngea, além de outros fatores que os tornam mais propensos ao ronco e à SAOS. – Genética: Existe uma componente hereditária; ter familiares que roncam ou têm SAOS aumenta as chances de desenvolver a condição. – Refluxo Gastroesofágico (RGE): A inflamação crônica causada pelo refluxo ácido na faringe e laringe pode levar ao inchaço dos tecidos, contribuindo para o estreitamento. – Hipotireoidismo: O funcionamento lento da tireoide pode levar ao acúmulo de fluidos e inchaço dos tecidos, incluindo os da via aérea superior. |
Se o ronco primário é um alarme amarelo, a apneia do sono é o sinal vermelho piscante. A palavra “apneia” vem do grego e significa “sem ar”. A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é uma doença crônica e evolutiva caracterizada por pausas respiratórias recorrentes durante o sono. Essas pausas, que podem durar de 10 segundos a mais de um minuto, ocorrem porque os músculos da garganta relaxam a ponto de bloquear totalmente a via aérea.
Após cada episódio de apneia, o cérebro, em um mecanismo de defesa desesperado, provoca um microdespertar para que a pessoa volte a respirar, geralmente com um som alto de engasgo ou sufocamento. O indivíduo não tem consciência desses despertares, mas eles fragmentam o sono e impedem que as fases mais profundas e restauradoras sejam atingidas. Além disso, cada pausa respiratória causa uma queda abrupta nos níveis de oxigênio no sangue, submetendo o corpo a um estresse imenso.
As consequências da apneia do sono não tratada são devastadoras e se estendem muito além de uma noite mal dormida. A vasta literatura científica corrobora a gravidade da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) não gerenciada, associando-a a um aumento substancial no risco de desfechos cardiovasculares adversos. Uma meta-análise abrangente, publicada no prestigiado Journal of the American Heart Associationpor Wang X. et al. (2014), compilou dados alarmantes sobre a associação entre SAOS e morbidade cardiovascular, demonstrando um aumento significativo nos riscos de importantes desfechos cardíacos e vasculares:
Esses dados sublinham a urgência do diagnóstico e tratamento da SAOS para mitigar o impacto sistêmico dessa condição, reforçando a nossa responsabilidade como profissionais de saúde em identificar e manejar adequadamente esses pacientes.
O médico do ronco, Dr. Luiz Herculano, reforça que a SAOS é um fator de risco importante para doenças cardiovasculares em geral, incluindo hipertensão arterial e arritmias cardíacas.
Mesmo antes de evoluir para uma apneia grave, o ronco e a má qualidade do sono que ele acarreta deixam um rastro de prejuízos na vida diurna. Os sintomas clássicos incluem sonolência excessiva, cansaço crônico, dificuldade de concentração, perda de memória, dores de cabeça matinais e irritabilidade. Para profissionais, isso se traduz em queda de produtividade, maior risco de acidentes de trabalho e de trânsito, e dificuldade em tomar decisões complexas.
Contudo, o impacto mais profundo e muitas vezes subestimado do ronco é o social e relacional. O barulho noturno não afeta apenas quem ronca, mas impõe uma severa privação de sono ao parceiro ou parceira.
“Normalmente, em 90% dos pacientes que atendo, o encaminhamento foi feito porque o parceiro está muito afetado”, revela o Dr. Luiz Herculano.
A situação frequentemente leva os casais ao chamado “divórcio do sono”, quando um dos parceiros passa a dormir em outro cômodo para conseguir descansar. Embora possa ser uma solução temporária, advogados de direito da família relatam que o ronco e a negligência em o tratar são frequentemente citados como um motivo central de infelicidade e distanciamento que culmina na separação definitiva. A frustração, o ressentimento e a falta de intimidade gerados pelas noites insones minam a conexão do casal.
O primeiro passo para o diagnóstico é o reconhecimento do problema, que quase sempre vem do parceiro. É essencial que a pessoa que ronca aceite a ajuda e entenda que não se trata de uma queixa trivial, mas de uma preocupação legítima com a saúde. A recomendação é procurar um médico especialista em sono, que pode ser um otorrinolaringologista, um pneumologista ou um neurologista.
Na consulta, o médico fará uma avaliação clínica detalhada e um exame físico das vias aéreas. No entanto, o exame padrão-ouro para diagnosticar a gravidade do problema e diferenciar o ronco primário da apneia do sono é a polissonografia. Neste exame, o paciente passa uma noite em um laboratório do sono (ou, em alguns casos, em casa com um equipamento portátil) monitorado por sensores que registram diversas variáveis, como atividade cerebral, níveis de oxigênio no sangue, frequência cardíaca e respiratória, movimento dos olhos e dos músculos.
O resultado da polissonografia determinará o Índice de Apneia-Hipopneia (IAH), que é o número de eventos respiratórios (paradas completas ou parciais da respiração) por hora de sono. Esse índice classifica a gravidade da doença e orienta a escolha do tratamento mais adequado.
Felizmente, a medicina do sono evoluiu muito, e hoje existe um arsenal de tratamentos eficazes. A abordagem ideal depende da causa e da gravidade do distúrbio, e pode ser dividida em três grandes frentes.
1. Mudanças no estilo de vida e terapia comportamental: Para casos de ronco primário ou apneia leve, estas são as primeiras e mais importantes medidas:
2. Dispositivos não cirúrgicos: Quando as mudanças de comportamento não são suficientes, ou para casos moderados, as seguintes opções são consideradas:
3. Intervenções cirúrgicas: As cirurgias são reservadas para casos específicos em que há uma alteração anatômica clara e corrigível.
O ronco é muito mais do que um som irritante. É um sintoma que funciona como um termômetro da nossa saúde respiratória noturna. Ignorá-lo significa fechar os olhos para riscos graves como hipertensão, AVC e doenças cardíacas, além de permitir a deterioração da qualidade de vida e dos laços afetivos. A jornada para o tratamento começa com a conscientização e a comunicação. Conversar abertamente com o parceiro, entender que o ronco é um problema de saúde e não um defeito de caráter, e buscar ajuda médica especializada são os passos essenciais para quebrar o ciclo de noites mal dormidas.
Como bem resumiu o otorrinolaringologista Luiz Herculano da Silva Júnior, o objetivo do tratamento é restaurar a qualidade de vida. É trocar o cansaço pela disposição, a irritabilidade pelo bom humor, e o distanciamento pela reconexão. Cuidar do sono é um investimento direto na saúde, na carreira e na felicidade. Um investimento que começa com a decisão de não mais normalizar o barulho que, noite após noite, sinaliza que algo precisa mudar.
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