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Rede de supermercado surpreende e fecha as portas. Veja qual

Uma rede de supermercado, conhecida por seu modelo 100% digital, anunciou recentemente o encerramento de suas atividades no Brasil, deixando clientes e especialistas surpresos.
A decisão veio poucos meses após um investimento significativo de US$ 70 milhões (cerca de R$ 420 milhões), o que gerava expectativas de expansão e consolidação da marca no país.
Entretanto, mesmo com parcerias relevantes, como com a Latam e o iFood, a startup mexicana Justp decidiu redirecionar seus esforços para o mercado mexicano, onde estabeleceu uma parceria estratégica com a Amazon para ampliar seu alcance.
Justo: A trajetória da rede de supermercado digital no Brasil
Antes de encerrar sua operação, a Justo vinha se destacando como uma rede de supermercado inovadora, focada exclusivamente no ambiente digital.
Fundada em 2019 no México, por Ricardo Weder e o brasileiro Ricardo Martinez, a empresa escolheu o Brasil como um dos mercados prioritários para expansão na América Latina.
Lançada em outubro de 2021, em plena pandemia de Covid-19, a Justo apostou no comportamento emergente do consumidor, que passou a valorizar a praticidade das compras online, sobretudo no setor alimentício.
Com um portfólio variado, a rede oferecia desde hortifrúti frescos de produtores locais até carnes, produtos de limpeza e itens básicos, tudo com agendamento de entrega no mesmo dia.
Além disso, a promessa era entregar conforto, praticidade e uma experiência personalizada. Os pedidos eram realizados pelo aplicativo ou pelo site, e os clientes podiam escolher dia e hora da entrega.
Apesar do crescimento da demanda, o modelo mostrou-se inviável
Contudo, mesmo com o aumento da demanda por compras online no segmento de alimentos, a sustentabilidade do modelo exclusivamente digital se mostrou um grande desafio.
Segundo o consultor Alberto Serrentino, especialista em varejo e sócio da Varese Retail, o setor alimentar possui particularidades que dificultam operações lucrativas no e-commerce.
De fato, a manipulação, o armazenamento e o transporte de alimentos exigem uma logística sofisticada e eficiente, algo ainda limitado no Brasil. A falta de integração com outros setores do varejo também dificulta o crescimento.
Além disso, o cenário brasileiro traz barreiras estruturais. A alta carga tributária, que varia entre estados, municípios e a federação, complica ainda mais o processo.
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Conforme ressaltado por uma professora de administração e especialista em logística, a complexidade contábil e fiscal brasileira desestimula o crescimento de modelos puramente digitais.
“Aqui a gente tributa por estado, por federação, por município, coisa que em outros mercados não ocorre. Tem municípios em que o e-commerce tem algumas isenções fiscais. O Brasil é um país continental, o que o torna muito complexo de ter um negócio e, principalmente, de ter uma escala maior quando se fala de um mercado 100% digital”, destacou a especialista.
Concorrência forte: desafios enfrentados pela rede de supermercado digital
Ademais, o Justo precisou enfrentar concorrentes de peso, como iFood, Rappi, Shopper e Daki, além de grandes redes como Carrefour e Pão de Açúcar, que já possuem estrutura robusta e consolidada tanto no mundo físico quanto digital.
Dessa forma, mesmo com a crescente procura por compras online, que ganhou força durante a pandemia e manteve um bom desempenho após o isolamento, a competição acirrada e os altos custos operacionais limitaram a competitividade da Justo.
Segundo o relatório Webshoppers 2024 da NielsenIQ Ebit, o setor de alimentos registrou crescimento de 26,2% em 2023 nas compras online.
Ainda assim, isso não foi suficiente para garantir a permanência da startup mexicana no Brasil.
O relatório também apontou que 32% dos consumidores afirmaram utilizar aplicativos de supermercado ao menos uma vez por mês, o que representa um aumento de três pontos percentuais em relação a 2022.
Brasil: um mercado promissor, mas de alta complexidade
Ainda que o Brasil represente um mercado com potencial expressivo, principalmente no que diz respeito ao consumo de alimentos, sua estrutura regulatória e logística se torna um empecilho real para operações digitais de larga escala.
Por exemplo, a dependência do modal rodoviário encarece os custos logísticos e dificulta entregas rápidas e confiáveis, especialmente em regiões periféricas e cidades do interior.
Além disso, a instabilidade econômica e a volatilidade do câmbio também impactam diretamente na sustentabilidade de negócios com capital estrangeiro.
Portanto, o encerramento das atividades da rede de supermercado Justo não deve ser visto como um fracasso da digitalização, mas como uma ilustração clara dos desafios complexos que ainda precisam ser vencidos no país.
A reinvenção das redes de supermercado tradicionais
Enquanto isso, redes tradicionais vêm se reinventando para atender às novas demandas dos consumidores.
Marcas como Carrefour, Assaí, Extra e Pão de Açúcar investem pesado na digitalização dos serviços e em estratégias omnichannel.
Dessa maneira, essas empresas conseguem combinar a força do varejo físico com os benefícios das plataformas digitais, o que amplia o alcance e reduz o custo de aquisição de clientes.
Além disso, a capilaridade das lojas físicas permite maior agilidade na entrega, utilizando-as como mini centros de distribuição.
Com isso, fica evidente que o futuro das redes de supermercado está na integração entre o físico e o digital, e não na exclusividade de um ou outro.
O consumidor moderno quer conveniência, mas também quer segurança e agilidade — e isso é mais fácil de alcançar com estruturas híbridas.
Estratégias que deram certo fora do Brasil (e por que aqui é diferente)
Internacionalmente, há exemplos de sucesso de modelos de supermercado 100% digitais. Startups como Instacart (EUA) e Ocado (Reino Unido) mostram que esse formato pode sim ser viável, desde que exista infraestrutura tecnológica e logística de alto nível.
No entanto, esses países possuem malhas logísticas mais integradas, sistemas tributários simplificados e, em muitos casos, incentivos para inovação.
No Brasil, a realidade é diferente. Empresas precisam lidar com uma infinidade de alíquotas, legislações divergentes e um cenário econômico instável.
Portanto, para que um modelo como o da Justo funcione em solo brasileiro, seria necessário um investimento muito mais robusto e uma estratégia de longo prazo, além de parcerias com operadores logísticos locais já estabelecidos.
O que acontece agora com os clientes da rede de supermercado Justo?
Logo após o anúncio, a rede de supermercado Justo utilizou seu perfil no Instagram para agradecer aos clientes brasileiros pela confiança e apoio durante os três anos de operação.
Contudo, não deu mais detalhes sobre o destino de dados cadastrais, pedidos em andamento ou reembolsos.
Assim, quem costumava utilizar a plataforma deve buscar alternativas entre os concorrentes já estabelecidos no mercado.
É provável que parte dessa clientela migre para soluções como Rappi e iFood, que oferecem um modelo semelhante de entrega rápida e variada.
Além disso, outras redes de supermercado tradicionais com presença digital consolidada devem absorver a demanda deixada pelo Justo, fortalecendo ainda mais sua posição no cenário do e-commerce alimentar.
Rede de supermercado 100% digital: futuro incerto ou apenas mal planejado?
Por fim, a saída do Justo levanta uma pergunta importante: há espaço para uma rede de supermercado 100% digital no Brasil?
A resposta, embora complexa, pode ser sim — desde que os desafios logísticos, fiscais e operacionais sejam abordados com inteligência, investimento e inovação.
Ainda que o modelo da Justo tenha encontrado obstáculos intransponíveis no curto prazo, isso não significa que a digitalização do varejo alimentar está fadada ao fracasso.
O consumidor brasileiro está mais conectado, mais exigente e mais aberto à inovação do que nunca.
Portanto, iniciativas semelhantes podem surgir nos próximos anos, aprendendo com os erros do passado e adaptando-se melhor à realidade nacional.
O mercado ainda tem espaço, especialmente em regiões metropolitanas com maior densidade populacional e infraestrutura logística minimamente estruturada.
Em resumo, a experiência da Justo no Brasil deixa um alerta valioso: ser digital não basta. É preciso ser eficiente, ter conhecimento local, se adaptar ao ambiente regulatório e contar com uma operação logística impecável.
Apenas assim, uma rede de supermercado digital poderá prosperar neste país continental de oportunidades e desafios.
Perguntas frequentes
Por que é difícil manter um supermercado 100% digital no Brasil?
Sobretudo, pelas dificuldades logísticas, tributárias e pela complexidade do mercado brasileiro, especialmente em estados com regras fiscais diferentes.
Por que a rede de supermercado Justo encerrou as operações no Brasil?
Embora a empresa não tenha divulgado os motivos exatos, a decisão ocorre após um recente aporte milionário e parece estar ligada à priorização das operações no México.
O que era a Justo e como funcionava?
Na prática, a Justo era uma rede de supermercado 100% digital que operava com entregas agendadas feitas via app ou site, oferecendo produtos variados, de hortifrúti a itens de limpeza.
Quem são os fundadores da Justo?
Na verdade, a startup foi criada no México em 2019 por Ricardo Weder e Ricardo Martinez, este último brasileiro.
Quem deve absorver os clientes da Justo?
Atualmente, empresas como iFood, Rappi, Shopper, Daki e redes tradicionais como Carrefour e Pão de Açúcar devem atrair essa demanda.